domingo, 12 de junho de 2011

Os Ninguéns

As pulgas sonham com comprar um cão, e os ninguéns com deixar a
pobreza, que em algum dia mágico a sorte chova de repente, que chova
a boa sorte a cântaros; mas a boa sorte não chove ontem, nem hoje,
nem amanhã, nem nunca, nem uma chuvinha cai do céu da boa sorte,
por mais que os ninguéns a chamem e mesmo que a mão esquerda coce,
ou se levantem com o pé direito, ou comecem o ano mudando de vasoura.
 Os ninguéns: os filhos de ninguém, os donos de nada.
 Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos
e mal pagos:
 Que não são, embora sejam.
 Que não falam idiomas, falam dialetos.
 Que não praticam religiões, praticam superstições.
 Que não fazem arte, fazem artesanato.
 Que não são seres humanos, mas recursos humanos.
 Que não têm cultura, e sim folclore.
 Que não têm cara, têm braços.
 Que não têm nome, têm números.
 Que não aparecem na história universal, e aparecem nas  páginas policiais da imprensa local.
 Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.


                            Eduardo Galeano
                          (O Livro dos Abraços)

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