domingo, 24 de abril de 2011

PÃO & CIRCO

Há pouco tempo, num jogo de vôlei, uma torcida inteira urrou a homossexualidade de um jogador do time adversário, tentando desestabilizá-lo.
Era um jogo importante, se não estou enganado. Decisão de um título, acho.
Então é licito que se perca o respeito por um ser humano.
Que se jogue as favas a dignidade de alguém.
Que se apele ao mais reles preconceito. Tudo pelo nosso time!
Já se vem fazendo isso há muito tempo neste país.
Aqui não se luta por direitos, mata-se por futebol.
Não se range os dentes para a injustiça, mas para o adversário.
“Jornalistas” discutem seriamente um 0x0 medíocre entre jogadores medíocres.
Enquanto a violência e a falta de ética grassam nos gramados e mal noticiadas, homens feitos aguardam ansiosamente por uma copa do mundo.
E continuarão aguardando ansiosamente, no chão de uma sala de espera de um hospital.
E ansiosamente sairão à rua para trabalhar, temendo a falta de segurança.
- Não há dinheiro – dizem.
O que não há é vergonha na cara - digo eu.
Como ter esperanças?
Antônio Abujamra diz que a Esperança matou este país.
E não sei se cada povo tem o governo que merece...
(embora muitas vezes pareça que sim).
Panis et circenses...

(Paulo de Quadros)

ESSA MULHER...

Queria já ter dito algo sobre esta mulher que denunciou e enfrentou os policiais assassinos no cemitério. Mas não encontrava o texto certo que queria anexar (sempre a literatura!).

Queria dizer-lhe que esse tipo de coisa, ultimamente, só tenho visto em mulheres.
De como nos faltam homens com esta coragem.
E que prestei atenção em como ela se expressou:
claramente e com firmeza.
E de como sinto falta disso nos jornalistas.
E que, por causa dela, todos nós nos tornamos um pouco melhores.
E que minha família, desde esse dia, ficou maior.
(Paulo de Quadros)

A Arte e o Tempo

Quem são meus contemporâneos? - pergunta-se Juan Gelman
Juan diz que às vezes encontra homens que têm cheiro de medo, em Buenos Aires, em Paris, ou em qualquer lugar, e sente que estes homens não são os seus contemporâneos.
Mas existe um chinês que há milhares de anos escreveu um poema, sobre um pastor de cabras que está longe, muito longe da mulher amada e mesmo assim pode escutar, no meio da noite, no meio da neve, o rumor do pente em seus cabelos.
E lendo esse poema remoto, Juan comprova que sim, que eles sim:
que esse poete, que esse pastor e essa mulher são seus contemporâneos.

Eduardo Galeano, in O Livro dos Abraços.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

outra citação


As massas humanas mais perigosas são aquelas em cujas veias foi injetado o veneno do medo.

OCTAVIO PAZ

quarta-feira, 13 de abril de 2011

uma citação

"Não devemos desperdiçar a graça dos pequenos momentos de liberdade de que podemos desfrutar: uma mesa compartilhada com pessoas que amamos, umas criaturas que ampararemos, uma caminhada entre as árvores, a gratidão de um abraço. Nós nos salvaremos pelos afetos. O mundo nada pode contra um homem que canta na miséria." Ernesto Sábato

terça-feira, 12 de abril de 2011

UM BARCO REMENDA O MAR


O título já é um poema.
A capa outro.
O Livro: "Um barco remenda o mar", cujo subtítulo é "Dez poetas chineses
contemporâneos".
Mais que um belo trabalho, um trabalho necessário.
O melhor da China milenar sempre foi sua cultura milenar.
Eis uma boa ocasião de entrar em contato com ela.


                      DEVOLVAM-ME

Devolvam-me
Devolvam-me aquela porta sem fechadura
Mesmo que já não ligue a nenhum quarto, devolvam-me
Devolvam-me o galo que me acordava todas as manhãs
Mesmo que tenha sido devorado, devolvam-me os ossos
Devolvam-me o canto do pastor que soava na encosta da
                                         montanha
Mesmo que tenha sido gravado em cassete, devolvam-me
                                         a flauta
Devolvam-me o espaço do sexo
Mesmo que tenha sido poluído, quero o direito à proteção
                                        do ambiente
Devolvam-me a boa relação com os meus irmãos e as
                                        minhas irmãs
Mesmo que só tenha meio ano de vida, devolvam-me
Devolvam-me todo o globo
Mesmo que tenha sido dividido
em mil países
        em cem milhões de aldeias
               ainda o quero, muito.


                             Yan Li
                             (1986)